segunda-feira, 13 de março de 2017

Déficit da Previdência? Mas que conta é essa?

Conheça alguns conceitos que envolvem a questão da Previdência Social e saiba por que o propalado déficit não é exatamente o que lhe contam.

Previdência Social e Seguridade Social

Primeiro, é preciso desfazer uma confusão: a diferença entre Seguridade Social e Previdência Social.

Segundo o artigo 194 da Constituição Federal, a “seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”.

Ou seja, o sistema previdenciário faz parte do sistema de seguridade social, cujo orçamento é constituído das seguintes fontes:

– Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL);
– Contribuições previdenciárias de empregados e empresas para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS);
– Contribuição Social Para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), cobrada sobre o faturamento das empresas;
– Contribuição para o PIS/Pasep, também cobrada sobre o faturamento das empresas para financiar o Seguro-Desemprego;
– Plano de Seguridade Social do Servidor Público (CSSP);
– Contribuição sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos;
– Contribuições sobre concurso de prognósticos e receitas próprias de outros órgãos e entidades que participam do orçamento;
– Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições (Simples).

Quem paga pela Seguridade e pela Previdência Social

O orçamento da Seguridade Social no Brasil conta com o financiamento tripartite, no qual o trabalhador, a empresa e o governo são responsáveis pela sua sustentação econômica.

No caso da Previdência Social, o trabalhador contribui com parte do seu salário e o empregador recolhe sua contribuição, de acordo com a folha de pagamento. O que nem sempre entra na conta do déficit é a terceira parte, de responsabilidade do governo.

Como mostra este artigo, se tomarmos como base o ano de 2012, de um total de R$ 317 bilhões destinados ao pagamento de benefícios previdenciários, a parte de empresas e trabalhadores chegou a R$ 279 bilhões (88% do total). O montante de responsabilidade o Estado chegaria a 12%, algo bem inferior à terça parte (33%), ideal em um modelo tripartite. Essa parcela, de acordo com estudo divulgado pelo Ipea em 2006, é bem inferior à média de 15 países da OCDE, cujos governos contribuem com 36%.

Truque contábil – a separação de Previdência e Seguridade

De acordo com a economista Denise Gentil, nesta entrevista, a Constituição Federal determina que sejam elaborados três orçamentos: o orçamento fiscal, o orçamento da Seguridade Social e o orçamento de investimentos das estatais. No entanto, na execução orçamentária o governo apresenta um único orçamento, denominado “Orçamento Fiscal e da Seguridade Social”. Assim, fica mais difícil perceber a transferência de receitas da Seguridade Social para financiar gastos do orçamento fiscal e gerar superávit primário.

Mas não é somente essa a estratégia, como lembra Gentil. “Para tornar o quadro ainda mais confuso, isola-se o resultado previdenciário do resto do orçamento geral para, com esse artifício contábil, mostrar que é necessário transferir cada vez mais recursos para cobrir o ‘rombo’ da Previdência. Como a sociedade pode entender o que realmente se passa?.”

Mas cadê o déficit?

Quando órgãos do Executivo e do Legislativo utilizam a manobra descrita por Denise Gentil de isolar a Previdência Social do resto da Seguridade, na conta das receitas previdenciárias é excluída a parte do governo, calculando-se somente as contribuições de empregado e empregador, contrariando – mais uma vez – o que diz a Constituição. É com esse cálculo que a mídia tradicional martela e alardeia o “rombo” nas contas que faz com que a reforma seja uma “necessidade”.

Contabilizadas todas as receitas da Seguridade Social, da qual a Previdência Social faz parte, há superávit desde 2007, de acordo com dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais, variando entre R$ 75,98 bilhões e R$ 23,9 bilhões, sendo este último resultado já sendo fruto da crise econômica.

E por que querem reformar a Previdência?

Não é de hoje que há defensores da reforma da Previdência Social. Boa parte deles, na prática, não quer uma reforma, mas sim um desmonte.

Como mostrado acima, o orçamento da Seguridade Social no Brasil, incluindo-se aí a Previdência, é significativo em termos de recursos públicos e, obviamente, atrai a atenção daqueles que pretendem o seu uso para outros fins. Para financiar, como já acontece hoje, o superávit primário ou o pagamento de juros para rentistas. Mas não é só isso.

Há um grande interesse em se abrir e ampliar o mercado de previdência privada, um dos grandes filões do sistema financeiro. Como o Brasil, ainda que tenha feito alterações em seu sistema de previdência, conseguiu resistir a seu desmonte, no atual cenário, mais propício a esse tipo de mudança, a banca brasileira e internacional vai apostar com tudo na propalada “reforma”.

O especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental Paulo Kliass, nesta matéria, fala a respeito dos interesses por trás do discurso do déficit da Previdência. “Em primeiro lugar, o desejo ardente do sistema financeiro de se lançar com liberdade sobre a movimentação de um fundo bilionário como a nossa previdência. Ao contrário do ocorrido com uma parcela dos países desenvolvidos e grande parte dos países do Terceiro Mundo, o Brasil conseguiu evitar o canto de sereia neoliberal nesse domínio e manteve a natureza pública de sua previdência oficial. O regime de previdência privada e os fundos de pensão operam como previdência complementar ao regime público universal para todos. Mas o grande sonho dos operadores do mundo das finanças é apoderar-se de todo o sistema previdenciário”, afirma.

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